Este Verão, os meus amigos caçadores - e pescadores quando a caça está interdita - convidaram-me para nova pescaria, no mesmo local recôndito do Sorraia.
- Vai ser mais uma bela pescaria e uma almoçarada daquelas. - Disse-me o Antunes, de novo o organizador da expedição. - A diferença - acrescentou - é que o Batista vai levar a neta, que também gosta de pescar.
Como de costume, ele, o Matos e o Batista entretiveram-se a apanhar abletes, assim como a Beatriz, alardeando todo o entusiasmo dos seus 15 anos. E eu dediquei-me aos barbos, à inglesa.
Depois, veio o inevitável pic-nic.
O Matos levou o vinho, da colheita pai, da zona do Cartaxo, como habitualmente. A mesa foi generosa e o vinho arrancou as costumadas saudações.
À semelhança dos anos anteriores, o Antunes, quando topou que o Batista tinha a sua garrafa quase vazia, começou a espicaçar-lhe a veia poética.
Mas o Batista, desta vez, foi taxativo: - Não, meus amigos. Hoje não têm sorte nenhuma, comigo. Se quiserem, convençam aí a minha neta, que nesse particular saiu ao avô.
Todos nos virámos para a ladina Beatriz que, corada que nem um tomate, assentiu em fazer as honras do breve sarau poético.
- Bom, então lá vai... – Disse a adolescente.
Voltei a sacar do mini-gravador que me acompanha sempre e registei o seguinte, que aqui partilho convosco.
Disse a jovem, erguendo-se e aclarando a sua bela voz, doce e cristalina:
- Correspondendo aos vossos pedidos, e muito agradecida por me terem proporcionado este belo dia de diversão, de minha autoria, vou dizer uma despretensiosa poesia intitulada “Água Minha”.
Água minha
minha seiva
minha sede
gotas de mel
na agrura
de um campo
de degredo
Segunda pele
ainda mais pura
ainda mais doce
e cúmplice
que a aventura
ciciada
de um segredo
Fina loucura
tão transparente
suave e muda
e colorida
como uma nuvem
uma aurora
ou um poente
Eu não me atrevo
a beber-te
de um só trago
quero-te lenta
e quero-te quente
na ternura
de um afago
Quero-te ao norte
quero-te ao sul
toda alquimia
de um poema
debruado
e tecido
em tons de azul
E quero muito
como num fado
mergulhar
e morrer
tão brevemente
como morre
um afogado
Oh água minha
Oh minha seiva
Oh minha sede
líquido sem cor
mata-me já
esta fome
e esta sede de pecado
Levantámo-nos como um só, à excepção do Batista. E aplaudimos e cumprimentámos demoradamente a encantadora Beatriz.
O babado avô, esse, manteve-se sentado a lutar heroicamente contra umas atrevidas lágrimas. Mas elas acabaram por levar a melhor.
Abletes, barbos e... água
- Beto_Manja
- Mensagens: 562
- Registado: segunda out 12, 2009 1:21 pm
Re: Abletes, barbos e... água
Boas,
Uma familia de poetas!
Que honra deverá ser presenciar esses momentos, parabéns!
Obrigado por partilhar mais uma bela história.
Cumprimentos,
Roberto
Uma familia de poetas!
Que honra deverá ser presenciar esses momentos, parabéns!
Obrigado por partilhar mais uma bela história.
Cumprimentos,
Roberto
- nunopontes
- Utilizador Regular
- Mensagens: 4567
- Registado: terça ago 05, 2008 9:06 am
Re: Abletes, barbos e... água
Quem sai aos seus não é de "genebra" como dizia o outro
- bladerunner
- Mensagens: 1074
- Registado: sábado out 01, 2011 1:35 pm
Re: Abletes, barbos e... água
Boas,
Não é o género que mais aprecio, mas não deixa de ser bonito. Obrigado pela partilha
Abraço
Não é o género que mais aprecio, mas não deixa de ser bonito. Obrigado pela partilha
Abraço