Pesca lúdica: o alvo errado.
Os motivos.
Para compreender os motivos que levaram o governo a legislar sobre a pesca lúdica
importa transcrever algumas passagens do preâmbulo do Decreto-lei 246/2000, de 29 de
Setembro.
Neste preâmbulo escreve-se que “Durante muito tempo, a abundância dos recursos
piscatórios e o relativo pequeno esforço desenvolvido para se obterem bons
rendimentos levaram a que a pesca marítima exercida com fins meramente lúdicos
fosse considerada num plano distante relativamente à exploração comercial dos
recursos vivos marinhos. O elevado nível de depauperização em que se encontram
muitos pesqueiros tradicionais e a condição degradada de um número elevado de
espécies, com relevo para as demersais, tem vindo a suscitar, na última década, uma
crescente preocupação quanto ao futuro da pesca comercial.”
Através deste tipo de afirmações ficamos a saber, com surpresa, que a pesca lúdica é
responsável pela depauperização dos pesqueiros tradicionais e que está a causar um
impacto negativo sobre a pesca comercial.
Apesar desta Associação considerar importante e necessária a existência de legislação e
de regulamentação para o exercício da pesca lúdica e desportiva de modo a combater de
forma eficaz a pesca ilegal semi-profissional que foge às obrigações legais e fiscais mas,
também, para que esta se realize de forma ecologicamente correcta e responsável,
razões que a levaram a apresentar, em tempo oportuno, uma proposta de
regulamentação junto dos órgãos competentes regionais, não podemos, no entanto, estar
de acordo com este tipo de justificação, as quais por se fundamentarem apenas em
suposições, com total ausência de recolha de evidências científicas, desfocam, talvez de
forma intencional, o alvo do problema.
O problema.
E o alvo do problema é precisamente a pesca comercial, esta sim, responsável pela
depauperização dos bancos de pesca tradicionais, colocando mesmo em perigo o seu
próprio futuro, em resultado tanto da inexistência de legislação adaptada às
necessidades deste tipo de pesca como da ausência dos mecanismos de controlo e
fiscalização necessários.
E esta depauperização tem acontecido com a cumplicidade dos eleitos, os quais através
de políticas desajustadas, de legislação desadequada e de fiscalização inexistente, tem
permitido, década após década, o esgotamento dos recursos para além da sua capacidade
de se auto-renovar, ameaçando de extinção diversas espécies pesqueiras.
Daí que se exija destes eleitos, em primeiro lugar, que legislem sobre este tipo de pesca,
sem clientelismo e sem a pressão do poder e, em segundo lugar, que disponibilizem os
recursos e implementem os processos necessários para se efectuar uma fiscalização
eficaz que impeça a utilização de artes e malhagens ilegais e a pesca em áreas interditas.
Exige-se, também, a estes eleitos que tornem claro, aos olhos de todos, os problemas da
atribuição de quotas, o abate de embarcações, na maior parte das vezes envolvido em
processos duvidosos, e que façam cumprir as recomendações emanadas dos organismos
de investigação pesqueira, acabando, de uma vez por todas, com as guerras surdas que
com estes se mantém.
Todos estes aspectos são, certamente, bem mais importantes do que legislar sobre a
pesca lúdica em pormenores completamente desajustados da realidade.
O mar como recurso público.
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 311/99, de 10 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei
n.º 197/2006 de 11 de Outubro, que criou o Fundo de Compensação Salarial dos
Profissionais da Pesca, refere-se que este Fundo “…visa providenciar uma
compensação salarial aos profissionais que, por razões de ordem vária, se vêem na
impossibilidade de exercer a sua actividade…”. Determina-se, também, que as receitas
deste Fundo provém, entre outras, das seguintes fontes: “60% do produto das coimas
aplicada pela prática de infracções ao regime geral da pesca.” e do “produto das taxas
de licenciamento anual para o exercício da pesca e utilização das artes.”
Assumindo que os recursos marinhos são um património de todos, então torna-se imoral
e reprovável do ponto de vista ético exigir aos pescadores lúdicos ou desportivos que
contribuam para a compensação da ausência de rendimentos dos pescadores
profissionais. E isto porque: em primeiro lugar, a Pesca Profissional deve ser uma
actividade economicamente sustentável e, nesse sentido, deve gerar as receitas
necessárias à dotação do Fundo Pescas, capazes de fazer face aos constrangimentos
próprios desta actividade; em segundo lugar, se por motivos sociais ou de solidariedade
se entender que os pescadores profissionais devem ser compensados pela ausência de
rendimentos, então essa compensação deve advir dos impostos de todos os contribuintes
e não das verbas resultantes das taxas pagas pelos pescadores lúdicos ou desportivos.
Estas verbas deverão ser prioritariamente canalizadas para um melhor controlo e
fiscalização da pesca lúdica ou desportiva. Por outro lado, esta transferência de verbas
da pesca lúdica para a pesca profissional pode, inclusivamente, potenciar conflitos entre
pescadores profissionais e pescadores lúdicos ou desportivos.
O mar é de todos e não propriedade dos pescadores profissionais. Por isso, cabe ao
Estado garantir que a exploração dos recursos, que são de todos, seja feita em benefício de todos.
Conclusão.
Quando se legisla sobre a pesca lúdica ou desportiva devemos estar preocupados com a
preservação dos recursos marinhos e com os problemas associados à actividade ilegal,
que em muitos casos a ela se encontra associada, mas não podemos esquecer as outras
funções que este tipo de pesca representa para uma parte significativa da população,
cerca de 700 000, e que são: por um lado, uma função lúdica e de bem-estar físico
associada à ocupação dos tempos livres e, por outro lado, como um complemento para o
desenvolvimento de actividades turísticas.
Por outro lado, esta legislação é também injusta porque vem colocar restrições
precisamente àqueles que tem sido os menos responsáveis pela depauperização dos
recursos pesqueiros, os pescadores lúdicos ou desportivos, contrariamente aos
pescadores profissionais, sejam eles portugueses ou estrangeiros com licenças para
pescarem nas nossas águas.
Como nota final, esta Associação entende que não é suficiente legislar e regulamentar.
É, também, indispensável reforçar os recursos humanos, técnico-científicos, materiais e
financeiros, de modo a permitir uma eficaz e sustentável fiscalização nesta área. Só
assim se pode ajudar a evitar o esgotamento e deterioração dos recursos naturais.
A.Selvagem
Pesca lúdica: o alvo errado
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Re: Pesca lúdica: o alvo errado
Agua Selvagem Escreveu:É, também, indispensável reforçar os recursos humanos, técnico-científicos, materiais e
financeiros, de modo a permitir uma eficaz e sustentável fiscalização nesta área. Só
assim se pode ajudar a evitar o esgotamento e deterioração dos recursos naturais.
A.Selvagem
pode-se acrescentar, que é indispensavel também um mínimo de CIVISMO pela parte dos pescadores

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