Estranho vicio este...

... para pescadores, caçadores e outros mentirosos

O Sítio do Pescador

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jose elvas
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Estranho vicio este...

Mensagem por jose elvas »

Algures durante o mês de Maio de 1987…

Tinha este vosso amigo os seus 3 aninhos e alguns mesitos quando o Senhor seu pai o levou á sua primeira pescaria. Os tios da família decidiram ir passar o dia á ribeira do Senhor do Aflitos com o intuito de passar uns bons momentos e capturar uns Bordalos, uns Barbos e umas Bogas para uma petiscada nesse mesmo dia mais tarde em casa dos meus avós (bons tempos esses em que se ia á ribeira e o que havia no “menu” era tudo peixe nativo deste nosso Portugal).
Lá chegados ainda durante o raiar do dia este vosso amigo ainda se encontrava imerso no mundo dos sonhos. Quando acordei já todos os meus tios, primos mais velhos, o meu pai e o meu avô se encontravam na margem da ribeira a tirar Bordalos e Bogas, que na altura ainda eram bastante abundantes, e um ou outro ocasional Barbito. A minha mãe levou-me até junto do meu pai que já tinha tirado uns 40/50 peixes e deixou-me junto dele enquanto ela ia tratar do almoço juntamente com as minhas tias. Na altura eram poucos os que tinham canas de pesca, sendo qua a maioria, meu pai incluído, pescavam com canas da india que eles próprios colhiam e preparavam. Depressa o meu pai colheu uma pequena das que haviam ali pelas margens da ribeira, atou-lhe um pouco de fio de coco, uma rolha de cortiça como bóia e um anzol e meteu este vosso escriba á pesca pela primeira vez!
Em poucos minutos tirei o primeiro peixe da minha vida, um pequeno Bordalito mais afoito que não conseguiu resistir á tentação do pequeno bocado de minhoca da terra que eu lhe estava a oferecer. O que se seguiu deve ter sido motivo de risota para todos os presentes pois este maçarico ao levantar o peixe de dentro de água começou a correr pela margem acima com medo que o mesmo fugisse, enleando a montagem toda nas ervas no processo!
Após uns minutos de paciente desenleamento por parte do meu pai lá voltei á pesca tendo tirado ao longo do dia uns 20 Bordalos e, glória das glórias, um Barbito com os seus 30 cm que foi, ao fim e ao cabo, o meu primeiro “troféu”…
Com o aproximar do fim do dia os meus tios começaram a arrumar o material para nos irmos embora, na altura tinha-se que arrumar as coisas mais cedo pois os carros e as motos da altura não eram nada do que temos hoje e as estradas então é que não tinham nada a ver, e aqui o vosso amigo… bem, o vosso amigo fez a birra da vida dele pois não se queria vir embora! Assim reza a história, contada por aqueles que estiveram presentes, daquela que foi a minha primeira pescaria.

Nesse dia nasceu o José Elvas pescador…




Dia 5 de Fevereiro de 1989…

Nesse dia celebrou o vosso escriba o seu quinto aniversário! Como sempre nessas ocasiões os meus pais deram uma jantarada em minha casa para a família mais chegada, pais, irmão, avós, padrinhos. Por esta altura já tinha uma boa conta de pescarias feitas pois o vício tinha-se instalado em mim com uma força tal que nunca mais de cá saiu!
Até então costumava usar canas feitas de cana da Indía que davam para desenrascar mas eram claramente limitadas para pescar um peixe maiorzito. Nessa noite recebi, de parte do meu querido padrinho, aquela que foi a prenda que mais me marcou até aos dias de hoje, um conjunto de pesca daqueles que se vendia antigamente nas feiras composto por uma canita de fibra de vidro, um pequeno carreto e alguns acessórios como bóias, fio de coco, anzóis e chumbo!
Agora vocês poderão pensar que estou a exagerar um pouco, mas acreditem, fiquei de tal forma feliz com aquela modesta, mas dada do coração, prenda que nessa noite mal preguei olho ficando horas e horas pela noite fora a imaginar futuras capturas fantásticas que na altura pensei que seriam certamente garantidas!
Obviamente fiquei logo em pulgas e deserto de dar uso ao caniço, no entanto, e fruto da conjuntura económica que se fazia sentir no nosso país por essa altura, o meu pai foi “obrigado” a emigrar para a Alemanha em busca das condições que o seu país natal não lhe conseguiu proporcionar. Como na altura a minha mãe ainda não tinha carta a estreia da canita teve que ser adiada. Por voltas de Julho desse mesmo ano o meu padrinho numa visita que fez a minha casa reparou que a canita ainda não tinha sido usada e perguntou-me porquê.
Lá lhe respondi o porquê ao que ele retorquiu que preparasse o estojito pois no dia seguinte iriamos passar o dia ás margens do rio Tejo, mais propriamente para a Amieira, nessa noite nem dormi!!!!!!!!!!!!
No dia seguinte logo pela madrugada abalamos de Portalegre com a Amieira como destino, eu, o meu padrinho e os seus 2 filhos, meus primos. Quando chegamos ao nosso destino haviam poucos mais pescadores presentes e reparei que quase todos eles ainda pescavam com as boas das canas da Indía, sendo nós dos poucos que tinham canas e carretos ditos “modernos”, isto pode soar um pouco prepotente mas dêem-me um desconto, pois era apenas um gaiato, mas naquele momento senti-me um pouco “inchado” com orgulho do meu material!
Depressa fui posto no meu devido lugar por um velhote que estava a pescar á minha esquerda, pois ao fim do dia eu apenas tinha uma pequena carpita e um barbo para mostrar enquanto que ele passou o dia inteiro a tirar peixe atrás de peixe com a sua canita velha e antiquada. Ao abalar passou junto a nós, disse umas palavras de ocasião ao meu padrinho, e deu uma pancadinha nas minhas costas enquanto me desejava boa sorte para o resto da pescaria!
Assim, sem ironias ou falsas intenções. Apenas um velhote a desejar boa sorte a um miúdo de 5 anos.

Nesse dia aprendi que não é o material que faz o pescador mas sim o seu espírito…




Algures durante a Primavera do ano 2000…

Estando eu em meus plenos anos de adolescente, e disfrutando pela primeira vez na minha vida da liberdade que é ter transporte próprio graças a uma moteca de 125 CC que me foi oferecida pelo mau pai como recompensa pelo cumprimento dos meus deveres escolares, pode-se dizer que foi esse o ano da minha emancipação como pescador! Pois agora podia pescar onde quisesse, quando quisesse. Tinha na altura o grande objectivo de pela primeira vez poder ir ao rio Sever em busca dos Barbos que os meus amigos que lá costumavam pescar me mostravam constantemente em fotografias que me faziam babar.
Por volta das 7:00 da manhã lá me pus a caminho do rio para uma zona perto de Montalvão onde só se consegue aceder de moto ou num tractor. Comigo levava apenas uma cana e um carreto mais alguma coisa para comer e beber e uma maquina fotográfica, tudo isto na minha mochila. Lá chegado deparei-me com o rio seco! Fruto do primeiro ano, de 3 consecutivos, de seca que assolaram o Alentejo no inicio da década. Apenas subsistiam alguns pegos aqui e ali onde se viam alguns bordalitos, os Barbos no entanto encontravam-se todos contentes e seguros da vida deles na barragem do Cedillo que fica alguns quilómetros mais abaixo.
Ora isto estragou por completo os meus planos pois apenas tinha levado anzóis nº 6 e milho com os Barbos em mente, escusado será dizer que os Bordalos estavam fora de hipótese. Pensei em voltar para casa ou experimentar ir a uma qualquer barragem em busca de umas carpinhas, no entanto decidi, antes de abalar, pegar na maquina fotográfica e dar uma voltinha pelo leito do rio pois mesmo sem água a correr continua a ser uma zona lindíssima.
O que se seguiu só visto se pode acreditar, esqueci-me por completo do tempo e do passar das horas, esqueci-me dos peixes e da cana, nada disso importou naquele dia! Passei horas atrás de horas a passear pelo leito do rio a fotografar rãs e pássaros, cagados e peixes, flores e árvores, pegos e pedras, até 2 Javalis e 1 Veado mais afoitos que me deram tempo suficiente para tirar um instantâneo aos mesmos. O dia passou num ápice e, já ao fim da tarde, lá me tive que pôr a caminho de casa, sem um único peixe para mostrar mas com um sorriso do tamanho do mundo e a alma cheia de tudo aquilo que tinha visto naquele dia.

Nesse dia aprendi que a pesca, e tudo aquilo que a envolve, é muito mais do que simplesmente apanhar uns peixes…




Um qualquer dia tórrido de Agosto de 2008…

Estando eu a gozar as minhas merecidíssimas férias depois de uns longos 8 meses de trabalho decidi ir uma tarde á pesca para a minha barragem preferida aqui da zona. Após um acordar tardio carreguei o estojo no carro e almocei. Após o almoço pus-me a caminho tendo chegado á barragem por volta das 13:30, dirigi-me para o meu pesqueiro favorito na barragem e, seja por sorte ou por ser um dia de semana, encontrei o mesmo livre. Lá montei as canas e sentei-me debaixo da refrescante sombra de um Amieiro a absorver toda aquela mescla de cheiros e sons que apenas á beira de água se consegue sentir.
Passadas umas 2 horas, mais coisa menos coisa, vejo um rapazito novo, aí com os seus 15 anos, a vir na minha direcção numa bicicleta com uma mochila ás costa na qual trazia uma canita muito antiga. Após chegar junto a mim perguntou-me educadamente se eu me importava que ele se instalasse á minha direita pois este também era o seu pesqueiro favorito e habitual. Obviamente que disse que sim e que estivesse á sua vontade, o rapaz lá tirou a cana da mochila, montou-lhe um carreto velhíssimo e fez um lançamento para dentro de água.
Como na pesca em águas interiores se podem usar 2 canas perguntei-lhe porque não tinha trazido mais uma e se queria que eu lhe emprestasse uma das minhas suplentes. O rapazito lá me disse que apenas tinha aquela canita velha que lhe tinha sido dada pelo seu avô e que não tinha disponibilidade para comprar outra pois o seu pai encontrava-se desempregado e era a apenas a sua mãe que providenciava o dinheiro para sustento da sua casa e dos seus habitantes, ele, os pais e a sua irmã, e aceitou de bom grado o empréstimo de uma das minhas canas.
Isto que vou dizer pode soar um pouco lamechas, mas após uma tarde inteira de conversa com aquele rapazote não consegui evitar emocionar-me um pouco com a sua história e de me sentir admirado com tal nível de humildade e sentido de responsabilidade em alguém que não era, á altura, nada mais que uma criança e que me dizia compreender o porquê dos seus pais não lhe poderem dar tudo aquilo que ele queria e que haviam coisas mais prioritárias.
Ao fim do dia ofereci-me para lhe dar boleia até Portalegre para ele não ter que ir a pedalar ao que ele agradeceu mas declinou pois queria ficar até um pouco mais tarde e morava a apenas 1,5km da barragem. Comecei eu então a arrumar o meu estojo quando, já no fim de estar tudo carregado, o rapaz chegou perto de mim para me devolver a minha cana e carreto e me agradecer pelo empréstimo dos mesmos, disse-lhe que não era preciso agradecer e que podia ficar com a cana e o carreto como oferta pois era um conjunto meu suplente do suplente do suplente e que eu quase nunca pescava com ele (o que era inteiramente verdade).
Escusado será dizer que o rapaz ficou com um sorriso de orelha a orelha e me bombardeou de agradecimentos, os quais eu, um pouco já sem jeito, lhe disse não serem necessários. Perguntei-lhe ainda se me podia dizer onde o encontrar pois tinha mais algum material em casa que já não usava á que tempos e que teria todo o gosto em lhos dar. O rapaz lá me deu o nº de telemóvel do seu pai e, alguns dias mais tarde, encontrei-me com ele e ofereci-lhe mais 2 canas e um carreto, bem como alguns consumíveis que para lá tinha em casa e que já não me faziam falta.
Esse rapazola é hoje um homem dos seus 20 anos e uns dos meus melhores amigos e companheiros de pesca (Ricardo, aquele abraço)!

Nesse dia aprendi que por vezes basta um pequeno gesto da nossa parte para fazer uma grande diferença na vida de outra pessoa e para ganhar um amigo…




Dia 14 de Dezembro de 2009…

Cheguei cedo á barragem, sentei-me numa pedra a olhar para a água com um olhar vazio e marejado pelas lágrimas. O vento, frio de Inverno, batia-me na cara e causava-me desconforto devido á humidade dos meus olhos.
As hora foram passando e eu não me mexia nem montava as canas, simplesmente me deixava ficar ali a olhar para a água e com o pensamento distante. Começou a chuviscar, voltei a entrar na carrinha e olhei para as canas, automaticamente comecei a montá-las sem prestar atenção ao que estava a fazer. Levei 1 hora para concluir uma tarefa que normalmente me demora 15 minutos, parou de chover, sai novamente para o desconforto do frio e lancei as 2 canas, sentei-me na cadeira mais uma vez com o pensamento em sítios distantes e sem prestar a mínima atenção ás canas. Ao fim de 30 minutos fui arrancado do meu torpor pelo barulho de um dos meus alarmes, sem grande convicção percorri os poucos metros que me separavam da cana e num gesto automático ferrei o peixe, lutei com ele e retirei-o para fora de água. Fiquei durante uns minutos a olhar para aquele ser prateado a contorcer-se no chão e a arfar por oxigénio. Devolvi-o á água e nem sequer voltei a lançar a cana tendo deixado a mesma caída no chão!
Voltei a sentar-me na cadeira, as horas passaram sem que eu me sentisse acometido de fome ou frio, mesmo estando apenas 3 graus e eu ainda não ter comido nada em todo o dia. Por volta das 16:00 arrumei lentamente o estojo todo e voltei a sentar-me na mesmíssima pedra em que me tinha sentado de manhã, a olhar para o mesmíssimo vazio que tinha olhado de manhã e novamente com lágrimas a escorrerem-me pelo rosto. Passavam precisamente 24 horas desde que a minha amada avó tinha sido enterrada!

Nesse dia um pouco de mim morreu também…
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Trophy_Master
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Re: Estranho vicio este...

Mensagem por Trophy_Master »

(Sem Palavras)

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NelsonP
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Registado: terça fev 21, 2012 3:13 pm

Re: Estranho vicio este...

Mensagem por NelsonP »

Trophy_Master Escreveu:(Sem Palavras)

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Rider
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Re: Estranho vicio este...

Mensagem por Rider »

Bem ... Fantabulástico. :fixe:
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nunopontes
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Registado: terça ago 05, 2008 9:06 am

Re: Estranho vicio este...

Mensagem por nunopontes »

Muito mas muito bom...adorei ler...obrigado por partilhares estas historias, pq parece que tb me vi a mim..obrigado =D> =D> =D>
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Joao Rodrigues
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Registado: segunda set 13, 2010 1:36 pm

Re: Estranho vicio este...

Mensagem por Joao Rodrigues »

Muito bom :fixe:

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nelsonpamaral
Mensagens: 508
Registado: quarta jun 08, 2011 2:59 pm

Re: Estranho vicio este...

Mensagem por nelsonpamaral »

Muito bom companheiro, :fixe: :fixe:

Assim se fazem as histórias das nossas vidas, e os momentos que realmente são importantes para nós :fixe:

Parabéns e obrigado pela partilha de alguns momentos da tua intimidade.

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Panca
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Registado: quarta out 21, 2009 6:13 pm

Re: Estranho vicio este...

Mensagem por Panca »

:119: :119: :119: tantas letras pá :join: mas muito bom Elvas e claro obrigado por essa partilha com este povo =D> =D>
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