Agora que chegou o tempo da engodagem aos robalos, não podia de vos passar tempos memoriais de quando haviam robalos em abundancia.
Talvez escrevendo ,consiga um dia pela espada da minha esférografica mudar o destino e voltar a comprar uns novos sapatos de vela.....
A névoa rasgada em pedaços pela força da madrugada,abria caminho pelo areal, alisado, humedecido, pelas horas da noite passadas na pesca do robalo.
Alinhadas , as barracas de praia, num perfil ordenado pelo vento norte, pingavam de orvalho, sacudido pela mestria das mãos do banheiro Jerónimo, que abria os toldos, abanando-os , despertando-os do sono de uma noite de verão de final de Agosto.
A safra tinha sido boa.Era preciso sermos rápidos agora. Os robalos ,enormes,estavam espalhados pela areia,desordenados,imóveis, numa mistura caótica de areia, sangue e restos de sardinha, que revelavam os despojos de uma batalha que procurava-mos fazer desaparecer rapidamente.O cheiro do frescum do peixe,do mar, desapareceria com a chegada do creme nivea, da sogra,da avó e do menino.O arco pesava.Enquanto os lavava,observava-os, brilhantes, gordos de dorso cinza prata, branqueada pelo areio de onde tinham saido.Eram robalos de areia.Alguns ainda tinham o pulgão vermelho agarrado.Deviam andar atrás da petinga há já alguns dias pelo pesqueiro.Foram surpreendidos pela armadilha e emboscada da engodagem.Tinha-lhes sido fatal
Para mim, moço novo, era o deslumbramento, para Mestre Zé apenas mais uma noite de safra,de trabalho..Vá!! Porque esperas??!Desperto deste torpor, desta cegueira de luz, de sonho e de sentidos, pela ordem do Mestre.- Vai á lota arrematar o cabaz da sardinha para logo!!Apressa-te, espera pelo ultimo barco.Não te deixes enganar!!
Os movimentos do Mestre, a colocar os robalos no cabaz, não tem poesia, apenas trabalho, suor e pão.Não contempla porque não vê, porque já não ouve.O mar , o vento e o sal, seca-lhe o sentido, a alma fica embutida presa no fundo do ser,até o Inverno chegar e o vento uivar nas frestas dos taipais das artes, resguardadas no casario onde todos se refugiam.
A pesca dá lugar então á memória, ao bater do baralho no tampo de uma mesa de mármore enegrecido pelo fumo, pelo copo que entorna o liquido que a há-de (alma)finalmente libertar.
As noticias daquela pescaria correram céleres.No final de tarde ,tranquilamente, passeio os meus novos sapatos de vela,leves e elegantes como a minha idade.
Na praia cheia de pescadores, piso a areia fina pela estiagem do dia, e soberbo, caminho sob o olhar dos mais velhos porque era eu o segundo homem.O pupilo do Mestre.A vaidade é efémure,a glória é eterna.
Reparo num pescador de meia-idade, no seu material novinho em folha comprado á pressa e aproximo-me....
Antonio Simões