Questões existenciais-Belchior o faroleiro(parteI)

... para pescadores, caçadores e outros mentirosos

O Sítio do Pescador

Pesquisa respostas acerca de
"Questões existenciais-Belchior o faroleiro(parteI)"
na nova versão do site.

atsimoes
Mensagens: 348
Registado: domingo out 22, 2006 10:15 am

Questões existenciais-Belchior o faroleiro(parteI)

Mensagem por atsimoes »

Ser faroleiro foi o grande sonho da minha vida.Um dia sentado á mesa disciplinada em conjunto com os meus restantes cinco irmãos pedi a meu pai que queria ser faroleiro.Fez-se um silencio frio na sala comensal encimada por uma chibata de acossar os cães na desordem natural emocional do primeiro dia de caça.Essa chibata era a ordem e o juizo de todas as nossas perguntas.
Queres o quê!??Numa voz grossa, o frio do tilintar dos talheres passou a uma risada quente,geral , de tamanha doideira do pequeno miudo armado em pescador de sonhos e fantasias.Não era em vão que o dizia.Este silencio que fala só em voz unica e que me persegue desde criança era comparavel á dimensão e escala de um mundo que ousava descobrir á medida que crescia e o via lá ao longe...
Alto, isolado por campos silvestres cobertos de amoras, pintassilgos,cotovias e abelhas, muitas abelhas na floração dos chorões que davam abrigo a tocas de coelhos que pululavam á volta do farol,servindo de companhia á imortalidade do Poeta.
Em posição declamante perante dois miudos que o ouvem eternamente até que o mundo descubra que estamos sós

Na praia lá da Boa Nova,um dia
Edifiquei(foi esse o grande mal)
Alto Castello,o que é a phantasia
Todo de lapis-lazzuli e coral

António Nobre

De todos os faroleiros que conheci,conheci-me a mim próprio.
Da solidão que eu sinto quando pesco durante a noite,do sol que me aquecia na primavera e lá primeiro chegava depois de um inverno tempestuoso,bramoso que varria a costa e o isolava durante meses.O primeiro aceno de Belchior,era o primeiro aceno da vida isolado por meses a fio. Aquele braço esticado ao alto num movimento de vai e vem era o aceno da vida que recomeçava Naquele tempo, o farol era a unica luz,que ténue rompia a névoa e a humidade e escuridão daqueles campos e rochas redondas moldadas por mãos de gigantes entretendo-se a jogar ao berlinde.
Diz a lenda que fugiram um dia e deixaram o seu jogo inacabado e as suas peças por ali...
Belchior!!Exclamava enquanto descia a vereda verdejante de musgo e liquenes enquanto borboletas espairecidas fugiam num atropelo perante tamanho voo picado deste intruso que era eu…Belchior..!!Tanto tempo...
Afagava-me o pescoço ,nos seus braços fortes dizendo.- Menino, este inverno é que foi..Sabe uma coisa!!??Tenho anzois montados para o congro ainda mais fortes que os do ano passado.Tenho um novo terminal de aço!!Dizia sempre isto,porque o congro devia ser mais velho e esperto que Belchior...
Num raio de polvo do tamanho do meu braço espetava um enorme anzol preso a um cabo de aço ligado a um terminal seguro numa fenda por uma cavilha espetada na rocha. Mesmo assim, ninguém o segurava.O anzol dobrava em dois, ou esticado como um alfinete ou rebentava com aquilo tudo.
Ser faroleiro era tudo o que ambicionava.Do alto de um farol concentrava o meu esforço de vêr para onde vão todos os dias as gaivotas num final de tarde doirado dirigindo-se para o mar.Que ilhas fantásticas devem haver por lá daquele plano de água que abraçam os meus sonhos cada vez mais longe.
Nunca vi uma gaivota fazer um ninho.Nem uma casa para morar.Somente as tinha como companhia nos areais da baixa-mar em voo picado sobre os caranguejos verdes enormes que fugiam a descoberto do alvorocer.
O vento,a lua e a luz seriam a minha companhia.Nunca ambicionei mais do que isso.Perderia a inocencia numa escola de faroleiros e na demanda de meus pais esperava só que me acompanhassem ao comboio que me levaria ao mais remoto farol que existisse no mundo.
Belchior era o meu mundo e o farol o meu guia espiritual.O mar seria o meu alimento, o vento o meu lamento, a chuva o meu choro, e o sol o meu agasalho.
Perdi a inocencia quando perdi Belchior.Chegou a noticia da sua transferencia e corri, corri o mais que pude para longe daquele monstro de aço que o levava….
Meu pai nunca compreendeu, a vontade do meu pedido.
Contar-vos-ei um dia que esta tormenta passar, o meu encontro com Belchior.Nome de Rei Mago, Rei da minha luz.

Até breve

António Simões
Leça da Palmeira,29 de Dezembro ao ano de 2006
Anexos
Cópia de AntónioNobre 001.jpg
Avatar do Utilizador
pesca no prato
Mensagens: 475
Registado: quinta mar 09, 2006 11:22 pm

Mensagem por pesca no prato »

Pergunto eu se a obra é o "Ultimo faroleiro" de António Nobre.
atsimoes
Mensagens: 348
Registado: domingo out 22, 2006 10:15 am

Mensagem por atsimoes »

pesca no prato Escreveu:Pergunto eu se a obra é o "Ultimo faroleiro" de António Nobre.

Caro Amigo,
Nem conheço se existe tal obra.Se existe vou lê-la.
A introdução do Poeta no conto deve-se apenas a ser uma referencia em Leça e estarem colocados os seus versos e a sua escultura para a eternidade ao lado do farol..
A base de sustentação de todos os meus escritos tem como base o mar, os pescadores e suas personagens miticas, lendárias que povoam a minha e a vossa imaginação.Este é um forum de pesca e não faria sentido senão escrever de um pescador para pescadores.

Agradeço a sua gentileza em responder. É sinal de que alguém me escuta na bruma dos dias que passam céleres, porque quem não escuta e não lê não pode ver...A bruma é densa e humida.....

Obrigado
António Simões
Avatar do Utilizador
aranha
Utilizador Regular
Mensagens: 8380
Registado: segunda fev 13, 2006 6:38 pm

Mensagem por aranha »

caro António Simões, toda a gente tem lido os textos a avaliar pela quantidade que o topico já foi visitado, mas muita gente, eu incluido, ficamos sem saber o que responder a uns textos tao bem elaborados, aliás, já foi motivo de comentário entre os moderadores deste forum e até foi sugerido um novo tópico a pensar neste tipo de participação. por favor, ao desanime que estamos a gostar, simplesmente...é como diz o ramiro, ficamos sem palavras :oops:
Avatar do Utilizador
pesca no prato
Mensagens: 475
Registado: quinta mar 09, 2006 11:22 pm

Mensagem por pesca no prato »

Sim amigo simóes eu li e percebi e não quis dizer que foi transcrito para aqui , não era a minha intenção, mas como refere o poeta , parte dai a minha pergunta, mais uma vêz parabéns e não queria deixar de dizer que o texto está muito bom e cheio de sentimento. Sem mais e sendo que gosto muito de ler este tipo de escrita, aguardo pelo proximo, obrigado
Avatar do Utilizador
aranha
Utilizador Regular
Mensagens: 8380
Registado: segunda fev 13, 2006 6:38 pm

Mensagem por aranha »

aranha Escreveu: ...aliás, já foi motivo de comentário entre os moderadores deste forum e até foi sugerido um novo tópico a pensar neste tipo de participação....
o prometido é devido, já estamos no novissimo tópico, dedicado ás letra, a ver se o "bichinho" pega :wink:
atsimoes
Mensagens: 348
Registado: domingo out 22, 2006 10:15 am

Mensagem por atsimoes »

Boas,

Sempre"open mind"!! 8) !!

Viver a vida pescando Amigos!!

Isso é o que interessa.Escrever é um acto de contrição, expiação.
Sou um simples narrador de histórias, sem pretensões de nada.
É que eu gosto de escrever , só isso. Participar técnicamente e para não ser repetitivo lançarei novos trabalhos aqui neste forum.
A cartilha de um corricador
Engodagem aos robalos nos meses da sardinha de noite ao fundo.
Como preparar borrachas matadoras de robalos para de noite.

Só que isso requer tempo e um fotógrafo que irá estar disponivel para me acompanhar.
Até lá , boas férias e boas pescarias e muita saude e boa disposição!!!

Abraço
António Simões
Avatar do Utilizador
aranha
Utilizador Regular
Mensagens: 8380
Registado: segunda fev 13, 2006 6:38 pm

Mensagem por aranha »

atsimoes Escreveu:Só que isso requer tempo e um fotógrafo que irá estar disponivel para me acompanhar.
se eu poder, terei muito gosto em o acompanhar :wink: é só apitar :lol:
Responder