Para Além da Morte
Era um magnífico dia de verão. Eu caminhava pelo campo, entre sobreiros. De súbito, vejo a uma certa distância um homem empoleirado numa árvore. Tinha uma cana de pesca na mão. Lançava um anzol iscado com uma pequena cenoura, para perto do que parecia ser uma toca. Ao terceiro lançamento, um coelho saiu do buraco e atirou-se à cenoura. O homem começou então a “trabalhar” o coelho, que dava uma luta danada. Ao fim de certo tempo, colocou habilmente o coelho exausto num camaroeiro e içou-o. Depois, cuidadosamente, tirou-lhe o anzol da boca. Com um pano limpou-lhe um pouco de sangue das beiças. Com cuidado extremo tratou de devolver o coelho ao chão. Este desatou numa correria louca, até desaparecer. Olhei para tão estranho pescador. Este acenou na minha direcção e levantou o polegar da mão direita. Sorrindo, satisfeito, gritou-me: “Sem morte, companheiro. Pesca sim, mas sem morte”.
Foi então que reparei que numa outra árvore estava outro homem empoleirado. Lançava um anzol iscado com um rato vivo. Passados alguns segundos uma ave magnífica fez um voo picado. A ave de rapina caçou o rato com as garras, voou uns metros e começou a devorá-lo. Então, o pescador ferrou. Foi uma luta e tanto, pelos ares, até que o homem venceu os esforços desesperados do grande pássaro. Retirou-he cuidadosamente o anzol. E com um gesto muito suave devolveu a ave aos ares. Ela arrancou, desiquilibrada. Um pingo de sangue caiu-me na testa, enquanto a ave ganhava altura. Olhei para o pescador. Sorria. Esticou o braço, levantou o dedo polegar da mão direita e gritou-me: “Sem morte, companheiro. Pesca sim, mas sem morte”. Tal como o outro havia dito.
Andei uns metros. Mais adiante estava outro pescador arborícola. Lançava elegantemente um anzol iscado com um pequeno carapau. De súbito, fiquei petrificado. Correndo na direcção do isco vinha um gato. Eu conhecia aquele gato… Olhei melhor. Não havia dúvidas. Era o Pantufa… Nada mais nada menos que o MEU gato. Gritei desesperadamente: NÃO, Pantufa! NÃO!... Tarde de mais. A vista enevoou-se-me. Fiquei tonto. Fechei os olhos. Senti-me mal. Muito mal. E foi muito agoniado que ouvi, do cimo da árvore, aquelas palavras: “Sem morte, companheiro. Pesca sim, mas sem morte”.
Acordei, então, sentado na cama, com falta de ar e encharcado em suor. Procurei com a vista o Pantufa. Lá estava ele, todo enrolado, aos pés da cama, dormindo pacificamente. A minha mulher olhava-me estremunhada. Agarrei-me a ela e disse. “Foi um pesadelo, querida. Foi só um pesadelo”.
Levantei-me. Fui beber água. Sentado à mesa da cozinha pensava que o pesadelo que acabava de ter só podia estar relacionado com a minha leitura dessa tarde. Na Internet, numa página do Brasil, havia descoberto um artigo relacionado com a pesca sem morte. Basicamente, dizia que estava cientificamente comprovado que os peixes sentiam dor quando ferrados. Fazia notar, portanto, que a pesca sem morte, por muito boas intenções que tivesse na sua essência, provocava dor aos peixes. E alertava para o facto de ninguém ter o direito de provocar sofrimento a um outro ser para sua recreação. Concluía dizendo que a pesca com morte, destinando-se o peixe a ser consumido, era perfeitamente aceitável, ao contrário da pesca sem morte para fins recreativos.
Já não consegui dormir mais nessa noite.
Hoje, continuo a pescar. Passei a comer mais peixe e a dar aquele que não consumo, designadamente o de rio. Há muitas pessoas que agradecem. E ainda devolvo algum peixe à água, claro. Deixei foi de ser o parvalhão que proclamava, todo inchado, a outros pescadores e a outras pessoas: “Eu pesco sem morte”. Como se isso fosse o supra-sumo da barbatana. Não é. Há o outro lado. O do sofrimento infligido a outros seres para nossa recreação.
JMET
Para Além da Morte
Re: Para Além da Morte
Gostei do texto e muito da moral da história. Não me identifico com fundamentalismos. Na minha modesta opinião andam sempre de mãos dadas com falsos moralismos. Bem prega Frei Tomás...
Como pescador à cana que sou, como o que pesco. E se não como, ofereço a quem coma. O que não quero, ou por não ter tamanho ou por não me interessar, devolvo. Tenho prazer na pesca, mas também tenho respeito pelo ser vivo que se encontra na outra ponta da linha... afinal está a lutar pela sua vida. E se acabar no meu prato pelo menos lutou e morreu nobremente, teve a sua chance de escapar, ao contrário de ser arrebanhado dentro de uma rede juntamente com os seus pares e morrer esmagado pelo peso dentro do saco da rede.
Não sou hipócrita e portanto não vou negar que a tal luta com o peixe me dá gozo mas afinal o acima citado
E depois, para mim, há os outros prazeres oferecidos pela pesca. Dependendo das ocasiões e do tipo de pesca, há o estar perto do mar (muito importante para mim), o convívio com outros camaradas, enfim... quem entende sabe o que pretendo dizer.
Como pescador à cana que sou, como o que pesco. E se não como, ofereço a quem coma. O que não quero, ou por não ter tamanho ou por não me interessar, devolvo. Tenho prazer na pesca, mas também tenho respeito pelo ser vivo que se encontra na outra ponta da linha... afinal está a lutar pela sua vida. E se acabar no meu prato pelo menos lutou e morreu nobremente, teve a sua chance de escapar, ao contrário de ser arrebanhado dentro de uma rede juntamente com os seus pares e morrer esmagado pelo peso dentro do saco da rede.
Não sou hipócrita e portanto não vou negar que a tal luta com o peixe me dá gozo mas afinal o acima citado
tem um propósito, e não é só o prazer pelo prazer.sofrimento infligido
E depois, para mim, há os outros prazeres oferecidos pela pesca. Dependendo das ocasiões e do tipo de pesca, há o estar perto do mar (muito importante para mim), o convívio com outros camaradas, enfim... quem entende sabe o que pretendo dizer.
Re: Para Além da Morte
Exactamente o mesmo que o Ramiro disse. Sem tirar nem pôr.
Re: Para Além da Morte
Idem idem.
Re: Para Além da Morte
Pois é meus amigos.
Se todos pensarmos em pesca sem morte, então não comemos peixe, como também não comemos carne, etc.
Isso deve depender do critério de cada um, eu cá por mim o peixe que pesco na sua maioria é para consumo, o que não consumo devolvo ou ofereço, e que bem que me sabe, ainda para mais pescado por mim e é ainda a única maneira da minha filha comer peixe.
Por falar em pesca, amanhã é sexta-feira é dia de ir a eles, mas pelos vistos vai estar muito vento.
A ver vamos
Se todos pensarmos em pesca sem morte, então não comemos peixe, como também não comemos carne, etc.
Isso deve depender do critério de cada um, eu cá por mim o peixe que pesco na sua maioria é para consumo, o que não consumo devolvo ou ofereço, e que bem que me sabe, ainda para mais pescado por mim e é ainda a única maneira da minha filha comer peixe.
Por falar em pesca, amanhã é sexta-feira é dia de ir a eles, mas pelos vistos vai estar muito vento.
A ver vamos
- krazy_dude
- Utilizador Regular
- Mensagens: 5741
- Registado: sexta dez 17, 2010 3:23 am
Re: Para Além da Morte
Bom texto... um texto tem sempre muitas vertentes, cada um lê como o coração manda no momento em que se lê,
Estou totalmente de acordo com as opinioes acima,
Cada um deve tirar um pouco de sabedoria duma historia, e esta transmite muito,
Seja qual for a especie, seja peixe, seja mamifero, seja insecto... temos que respeitar, só respeitando as formas de vida é que sim estamos a ser um pouco mais genuinos connosco proprios e até um pouco mais humanos, se é que o somos...
Pescar para comer, tudo o resto seja o peixe mais "nojento" mau, venenoso etc etc, não pode dispensar a que retiremos de forma mais cuidadosa possivel o anzol, e acima de tudo que o devolva-mos ao seu habitat pois tudo tem o seu lugar num ecossistema, ja basta o que destroiem, seja por arrastao, seja por não querem o peixe e o deixem a fritar ao sol... cabe a cada um de nós pelo menos agirmos correctamente
Gostei
Obrigado
1 abraço e boas pescarias
Nelson Veloso
Estou totalmente de acordo com as opinioes acima,
Cada um deve tirar um pouco de sabedoria duma historia, e esta transmite muito,
Seja qual for a especie, seja peixe, seja mamifero, seja insecto... temos que respeitar, só respeitando as formas de vida é que sim estamos a ser um pouco mais genuinos connosco proprios e até um pouco mais humanos, se é que o somos...
Pescar para comer, tudo o resto seja o peixe mais "nojento" mau, venenoso etc etc, não pode dispensar a que retiremos de forma mais cuidadosa possivel o anzol, e acima de tudo que o devolva-mos ao seu habitat pois tudo tem o seu lugar num ecossistema, ja basta o que destroiem, seja por arrastao, seja por não querem o peixe e o deixem a fritar ao sol... cabe a cada um de nós pelo menos agirmos correctamente
Gostei
Obrigado
1 abraço e boas pescarias
Nelson Veloso
Re: Para Além da Morte
JMET Escreveu:Para Além da Morte
Era um magnífico dia de verão. Eu caminhava pelo campo, entre sobreiros. De súbito, vejo a uma certa distância um homem empoleirado numa árvore. Tinha uma cana de pesca na mão. Lançava um anzol iscado com uma pequena cenoura, para perto do que parecia ser uma toca. Ao terceiro lançamento, um coelho saiu do buraco e atirou-se à cenoura. O homem começou então a “trabalhar” o coelho, que dava uma luta danada. Ao fim de certo tempo, colocou habilmente o coelho exausto num camaroeiro e içou-o. Depois, cuidadosamente, tirou-lhe o anzol da boca. Com um pano limpou-lhe um pouco de sangue das beiças. Com cuidado extremo tratou de devolver o coelho ao chão. Este desatou numa correria louca, até desaparecer. Olhei para tão estranho pescador. Este acenou na minha direcção e levantou o polegar da mão direita. Sorrindo, satisfeito, gritou-me: “Sem morte, companheiro. Pesca sim, mas sem morte”.
Foi então que reparei que numa outra árvore estava outro homem empoleirado. Lançava um anzol iscado com um rato vivo. Passados alguns segundos uma ave magnífica fez um voo picado. A ave de rapina caçou o rato com as garras, voou uns metros e começou a devorá-lo. Então, o pescador ferrou. Foi uma luta e tanto, pelos ares, até que o homem venceu os esforços desesperados do grande pássaro. Retirou-he cuidadosamente o anzol. E com um gesto muito suave devolveu a ave aos ares. Ela arrancou, desiquilibrada. Um pingo de sangue caiu-me na testa, enquanto a ave ganhava altura. Olhei para o pescador. Sorria. Esticou o braço, levantou o dedo polegar da mão direita e gritou-me: “Sem morte, companheiro. Pesca sim, mas sem morte”. Tal como o outro havia dito.
Andei uns metros. Mais adiante estava outro pescador arborícola. Lançava elegantemente um anzol iscado com um pequeno carapau. De súbito, fiquei petrificado. Correndo na direcção do isco vinha um gato. Eu conhecia aquele gato… Olhei melhor. Não havia dúvidas. Era o Pantufa… Nada mais nada menos que o MEU gato. Gritei desesperadamente: NÃO, Pantufa! NÃO!... Tarde de mais. A vista enevoou-se-me. Fiquei tonto. Fechei os olhos. Senti-me mal. Muito mal. E foi muito agoniado que ouvi, do cimo da árvore, aquelas palavras: “Sem morte, companheiro. Pesca sim, mas sem morte”.
Acordei, então, sentado na cama, com falta de ar e encharcado em suor. Procurei com a vista o Pantufa. Lá estava ele, todo enrolado, aos pés da cama, dormindo pacificamente. A minha mulher olhava-me estremunhada. Agarrei-me a ela e disse. “Foi um pesadelo, querida. Foi só um pesadelo”.
Levantei-me. Fui beber água. Sentado à mesa da cozinha pensava que o pesadelo que acabava de ter só podia estar relacionado com a minha leitura dessa tarde. Na Internet, numa página do Brasil, havia descoberto um artigo relacionado com a pesca sem morte. Basicamente, dizia que estava cientificamente comprovado que os peixes sentiam dor quando ferrados. Fazia notar, portanto, que a pesca sem morte, por muito boas intenções que tivesse na sua essência, provocava dor aos peixes. E alertava para o facto de ninguém ter o direito de provocar sofrimento a um outro ser para sua recreação. Concluía dizendo que a pesca com morte, destinando-se o peixe a ser consumido, era perfeitamente aceitável, ao contrário da pesca sem morte para fins recreativos.
Já não consegui dormir mais nessa noite.Hoje, continuo a pescar. Passei a comer mais peixe e a dar aquele que não consumo, designadamente o de rio. Há muitas pessoas que agradecem. E ainda devolvo algum peixe à água, claro.Deixei foi de ser o parvalhão que proclamava, todo inchado, a outros pescadores e a outras pessoas: “Eu pesco sem morte”. Como se isso fosse o supra-sumo da barbatana. Não é.Há o outro lado. O do sofrimento infligido a outros seres para nossa recreação.JMET
Lamento não entender o texto: se por um lado o companheiro diz que continua a pescar, por outro condena o sofrimento dos peixes para nossa recreação; mas afinal a pesca lúdica/desportiva e a caça não são isso mesmo.... recreio. A prática destas actividades lúdicas, na minha modesta opinião, efectuadas de acordo com a lei em vigor, contribuem para o bem estar emocional dos praticantes fomentando a creatividade e a competição e de algum modo apurando as espécies.
Cump.
Figueiredo