Malditos aceleras...

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"Malditos aceleras..."
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JMET
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Registado: quinta fev 17, 2011 11:48 am

Malditos aceleras...

Mensagem por JMET »

- Eu vou por aqui. É o acesso mais directo ao pesqueiro para onde quero ir.
- Estás maluco, Miguel. Por aí não há caminho…
- Ora, ora, Pacheco, no Cabo da Roca, na Azóia, tenho descido por arribas muito piores.
- Anda por aqui!… É mais longe, mas é mais seguro.
- Não te preocupes. Tenho que apanhar aquele pesqueiro.

Na ambulância dos Bombeiros Voluntários de Peniche, rumo ao Hospital das Caldas da Rainha, Miguel passou em revista os momentos dramáticos do seu voo contra as pedras da beira-mar.
Na sua temerária descida tinha-se visto na sufocante situação de já não conseguir prosseguir, porque a arriba fazia um pique inesperado. Mas pior tinha sido a sensação de impotência, ao constatar que também não era capaz de escalar a parte da arriba já transposta.
Lembrava-se que, repentinamente, ficara alagado em suor, enquanto um frio arrepiante se lhe entranhava pelo corpo. De súbito, sentiu a saliência pedregosa, onde tinha os pés apoiados, ceder. A primeira impressão que teve foi de alívio, por se acabar aquele impasse desesperante. Depois, foi tudo muito rápido…
Quando aterrou com o peito sobre uma rocha rectangular mais saliente, a sua primeira preocupação foi retomar a respiração. Tentava, tentava e… nada. Parecia que ia rebentar. Ao fim de muitos segundos, que lhe pareceram séculos, conseguiu finalmente inspirar. Primeiro um pouco, depois mais… e mais… e mais. Por fim, conseguiu normalizar a respiração. Então, desatou a gritar, como um louco, num reflexo incontrolado.
Passado pouco tempo, viu pescadores do mesmo concurso, no cimo da arriba, fazendo sinais para que se deixasse estar e dando a entender que os socorros vinham a caminho. Voltou-se. Olhou para o ponto fatídico. A falésia, um pouco mais abaixo, fazia uma concavidade. Como havia ele de conseguir descer pelo seu pé…
Entretanto, as dores começaram a manifestar-se. No peito, fortes. Nos pulsos. E no pé direito, já bastante inchado. Sentiu as costas molhadas, sinal que a garrafa de Coca Cola se havia partido, dentro da mochila, contra as suas costas, com o impacto.
Ouviu, ao longe, a sirene de uma ambulância. Voltou a olhar para o local de onde se despenhara. Compreendeu que tinha tentado virar-se, ao cair, e que batera com o calcanhar do pé direito numa saliência. Fora isso que fizera com que não aterrasse de pé, mas obliquamente. E quis o destino, bem ditoso, que uma rocha mais elevada que as outras, relativamente lisa, recebesse o impacto do seu peito, dando espaço a que os braços fossem projectados sem obstáculos de maior.
Enquanto os bombeiros saltitavam de rocha em rocha, transportando a maca, olhou mais uma vez para o cenário do despenhamento. Teria a altura do dobro da sua cana telescópica, cerca de oito metros.

No hospital, ficou a saber que tinha três costelas partidas, uma rotura de ligamentos no pé direito, provavelmente também partido, e equimoses várias, no peito, nos pulsos e nas pernas. Mas a sua preocupação era outra. No regresso, quando os bombeiros o levaram ao encontro dos seus companheiros de pesca, conferenciou com eles e terminou, imperativo. - Está combinado. Ninguém pode falhar.

A caminho de casa, conferenciou com os bombeiros e terminou, taxativo. - Ficamos assim. Está combinado.

Quando Irene abriu a porta e viu os bombeiros subirem a escada, com o marido na maca, pensou que tinha acontecido o que tanto temia. Miguel caíra de uma falésia. Os olhos marejaram-se-lhe de lágrimas. Como estaria?… E a coluna?… Teria partido ou ofendido a coluna?… Os bombeiros descansaram-na a esse respeito.
Quando perguntou o que acontecera, arrependeu-se dos seus preconceitos contra o desporto-vício do marido.
Afinal, segundo lhe contaram, antes do concurso de pesca, ao sair do café onde tomara o pequeno almoço, Miguel havia sido atropelado por um automobilista que, acto contínuo, se pôs em fuga. Infelizmente, uma coisa a que qualquer pessoa, nos tempos que correm, está sujeita…

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Meus amigos
O texto acima é o relato fiel de um acidente ocorrido comigo (só o final amalandrado é invenção). É um lugar comum dizer-se que no meio do azar tivemos sempre alguma sorte. Eu não tive só alguma sorte. Tive muita. E ainda hoje, quando me lembro da queda, agradeço a Deus estar vivo.
Por isso, caros amigos, muito cuidado. Nunca descurem a vossa segurança na pesca, pois, como todos sabemos, regularmente há companheiros nossos que perdem a vida estupidamente.
Um abraço a todos.

JMET
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NelsonP
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Registado: terça fev 21, 2012 3:13 pm

Re: Malditos aceleras...

Mensagem por NelsonP »

Espetaculo de mensagem manifestada numa escrita de grande escritor e com conteudo que prende os leitores á «obra» =D> =D> . Cá da minha parte, não há peixe nenhum que me leve a arriscar 1 pelo do meu corpo. :let:
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